Era novembro de 2013 quando John Stumpf, CEO e chairman da Wells Fargo, ganhava o título de “Banqueiro do Ano” pela revista American Banker.
Essa premiação vinha para coroar o que, até então, era um ano espetacular para o Wells Fargo.
O banco era sinônimo de instituição financeira com uma reputação impecável: para a revista Fortune, o Wells Fargo tinha um “passado de evitar os erros mais burros dos demais bancos”, e o banco era frequentemente elogiado por sua cultura onde o relacionamento de longo prazo com o cliente era a coisa mais importante a ser mantida.
Além disso, Wells Fargo era um dos bancos mais bem-sucedidos em uma estratégia da qual chamamos de cross-selling: a arte de fazer com que um cliente tivesse múltiplos produtos do banco (como cartão de crédito, conta corrente, investimentos etc.).
Esses clientes são muito mais lucrativos para o banco do que clientes com apenas um produto – e isso fazia com que a lucratividade do banco se tornasse muito interessante em comparação aos seus pares. (tanto que ele acabou virando, de fato, um exemplo a ser copiado)
Não à toa, o banco tinha como um dos seus principais investidores ninguém menos que Warren Buffett, que já mantinha ações do banco por pelo menos um pouco mais de duas décadas.
No final daquele mesmo ano, o Wells Fargo anunciaria um crescimento de lucro líquido de 10% e um resultado que superaria as expectativas dos analistas e dos seus investidores.
Tudo levava a crer que o Wells Fargo era um dos melhores bancos dos Estados Unidos…
Até que chegou 2016.
Nesse ano, uma grande bomba explodiu: a Agência de Proteção Financeira ao Consumidor dos Estados Unidos processou o banco em 100 milhões de dólares por práticas ilegais envolvendo a criação de mais de 1.5 milhões de contas bancárias falsas e mais de 500 mil cartões de crédito falsos, tudo em nome de clientes do banco e sem as suas autorizações.
O que antes era motivo de orgulho e cópia dos concorrentes… se tornou um dos maiores escândalos da história recente do setor bancário americano.
Mas… como isso aconteceu?
A resposta está justamente no tema principal da nossa carta dessa semana: os incentivos.
Entendendo os Incentivos
“Nunca, jamais, pense em outra coisa quando você deveria estar pensando sobre o poder dos incentivos.” – Charlie Munger
Pare por um momento e pense nas coisas que você fez durante o dia.
Se você prestar atenção, muito provavelmente vai perceber que por trás de cada ação que você tomou, havia algum tipo de incentivo do qual tornou sua ação realidade.
De uma maneira simples, o fato é: os incentivos controlam o comportamento humano.
Quando comemos, o incentivo é a fome.
Quando investimos, na maioria das vezes o incentivo é um melhor futuro.
E quando pagamos a conta de luz, o medo de ficar sem luz também pode agir como um grande incentivo.
Todas as atitudes e ações que tomamos, geralmente tomamos por conta de algum incentivo.
Por isso, os incentivos são poderosos.
Em muitos casos são eles que são os responsáveis pelo sucesso (ou pelo fracasso) de nossas ações.
Uma das primeiras pessoas a estudar melhor o comportamento humano – e o poder dos incentivos – foi o professor de Harvard conhecido como B.F. Skinner.
Em 1898, um psicologista americano chamado Edward Thorndike conduziu experimentos para comprovar uma teoria da qual ele chamou de “lei do efeito”.
Nesses experimentos, Thorndike procurava entender como os animais podiam aprender novos hábitos. Ele colocava os animais em uma caixa e era necessário que eles puxassem uma alavanca ou fizessem algum tipo de ação (que o Thorndike escolhia) para que eles conseguissem sair da caixa.
Ao fazer isso diversas vezes, Thorndike descobriu que os animais aprendiam por meio de um processo de tentativa e erro – e que o efeito/consequência do seu comportamento tinha influência na repetição desse comportamento.
Ou seja: as ações que não tinham nenhuma consequência não eram repetidas, enquanto as ações que tinham consequência (como abrir a caixa e permitir que os animais escapassem) acabavam sendo mais repetidas.
Com isso em mente, B.F. Skinner expandiu o trabalho de Thorndike e buscou testar uma hipótese: se os animais recebessem incentivos positivos (como algum tipo de recompensa), as ações que eles tomaram seriam repetidas mais vezes, enquanto se os animais recebessem incentivos negativos (como punições), suas ações seriam repetidas menos vezes.
O que ele descobriu foi que os incentivos, a consistência que esses incentivos aconteciam e o tempo que permaneciam desempenhavam um papel importante no comportamento e até no desenvolvimento de hábito dos animais.
Por exemplo, se você quer ensinar o seu cachorro a sentar quando você pedir, a melhor forma de fazer isso é dar um biscoito (recompensa) para ele toda vez que ele se sentar após o seu comando, pois isso fará com que ele associe o ato desejado com a recompensa dada.
Se você não fizer isso continuadamente, provavelmente a ideia de fazer com que ele sente sempre que você peça falhará, pois ele não assimilará uma coisa com a outra.
Da mesma forma, podemos aplicar esse conceito na nossa vida.
Se você elogia e recompensa o seu filho toda vez que ele arrumar o seu quarto, você espera que ele faça isso mais vezes e provavelmente é o que você verá acontecer depois de estabelecer a recompensa.
Mas, até aqui, você deve estar achando tudo meio óbvio.
É fácil de entender o funcionam dos incentivos e como eles nos ajudam a moldar nossos comportamentos.
O problema é: nem sempre os incentivos que estabelecemos levam aos resultados que esperamos.
Na verdade… muitas vezes, o contrário pode acontecer.
E é aí que voltamos à história do Wells Fargo.
O que aconteceu com o Wells Fargo?
Wells Fargo, assim como qualquer outra empresa ao redor do mundo, quer ganhar dinheiro e ter lucro com as suas operações.
Pensando em como atingir isso, o banco decidiu que uma das principais métricas para definir a sua performance (e principalmente a performance dos seus funcionários) eram o número de contas abertas e o número de vendas casadas (cross-sell).
Logo, quanto mais contas abertas e mais vendas de produtos os funcionários do banco conseguiam, melhor era sua remuneração.
O objetivo final desses incentivos era claro: gerar mais rentabilidade ao banco.
Porém, a pressão para conseguir bater todas as metas (e com o incentivo negativo de demissão bem claro para todos os seus funcionários), esses incentivos começaram a não gerar os resultados esperados.
Os funcionários, querendo bater a meta de cross-sell, forçavam o cliente a ter um cartão de crédito — mesmo quando não os interessavam.
Depois, quando precisavam bater a meta de contas abertas, pediam para amigos e funcionários abrirem contas junto com eles.
E quanto maior era a pressão e o tempo, maior eram os desvios éticos: abertura de múltiplas contas em nome de clientes sem os clientes saberem, recebimento de produtos bancários sem pedidos (como aqueles cartões de crédito que chegam em sua casa sem você ter pedido), e por aí vai.
O resultado disso tudo você já sabe… falamos no começo da newsletter.
Mas, chegamos a uma conclusão importante: não basta existirem incentivos. Precisamos ter os incentivos corretos.
Pois os errados podem levar a erros grosseiros e prejuízos enormes.
Porém… como identificar bons e maus incentivos?
Existe uma forma.
A Lei de Goodhart
Charles Goodhart é um premiado e reconhecido economista britânico que foi membro do Comitê de Política Monetária do Banco da Inglaterra de junho de 1997 a maio de 2000.
Atualmente, ele é principalmente reconhecido por uma frase que ele disse em 1975, quando estava em uma conferência em Sidney, na Austrália.
A frase é a seguinte:
Qualquer regularidade estatística observada tenderá a entrar em colapso uma vez que a pressão seja colocada sobre ela para fins de controle.
Mas, podemos simplificar a frase para o que é, hoje, a frase conhecida como lei de Goodhart:
Quando uma medida se torna um alvo, ela deixa de ser uma boa medida.
Ou seja: quando colocamos como metas ou incentivos principais que um determinado número ou medida seja obtida, nós temos um mau incentivo.
Peguemos como exemplo um caso bem conhecido:
Diferente dos americanos e dos países capitalistas, onde o mercado e a oferta e demanda alteravam os preços de todos os insumos, a União Soviética tinha uma economia planificada.
Com isso, cabia às autoridades soviéticas dizerem para as empresas quais eram os preços dos produtos e insumos, assim como também cabia dizer o que e em quais quantidades um determinado insumo deveria ser produzido.
Em um exemplo de como a Lei de Goodhart funciona, uma certa vez os soviéticos ordenaram para as indústrias que elas deviam produzir um determinado número de pregos.
Veja: nesse caso, o principal incentivo aqui era a produção de uma medida (número de pregos), com claros incentivos de punição caso não fosse feita a vontade do governo.
O que, nesse caso, as indústrias soviéticas fizeram foi simples: produziram milhares de pregos pequenos.
Como a meta a ser batida era o número de pregos, eles não se preocuparam com a qualidade e nem com a usabilidade, só fizeram de um jeito que permitira a eles fazer o máximo número de pregos possível.
Percebendo o erro que haviam cometido, os burocratas soviéticos chegaram a uma solução: mudar o critério. Ao invés de agora o governo exigir um número específico de pregos, eles passaram a exigir pregos com base em seu peso.
Mais uma vez, cometeram um erro: ao incentivo se tornar o peso, as fábricas passaram a produzir grandes e pesados pregos — dos quais, assim como os milhares de pequenos pregos, estes também não serviam de nada.
E como solucionar o problema da lei de Goodhart?
Existem algumas formas:
- Diversificar os incentivos.
Por exemplo, os governos sempre um dilema entre crescimento e inflação.
Um governo pode imprimir dinheiro e diminuir as taxas de juros… isso pode terminar aquecendo a economia e fazendo com que a inflação aumente. Já quando o governo quer controlar a inflação, ele pode tirar dinheiro da economia e aumentar as taxas de juros, fazendo assim com que o consumo diminuía e a inflação reduza… diminuindo o crescimento econômico.
Antes da existência das chamadas metas de inflação (metas que o governo coloca para a inflação do ano), os governos onde suas metas envolviam apenas o crescimento econômico tinham um grande incentivo para estimular a economia sem se preocupar com os efeitos da inflação — o que, mais tarde, se traduziria em inflações de dois dígitos e um peso enorme na qualidade de vida dos pagadores de impostos.
Com as metas de inflação, o governo agora é mais eficiente (ou tende a ser mais eficiente) nesse equilíbrio entre crescimento e inflação justamente porque tem incentivo para crescer, mas tem também o incentivo para não deixar a inflação fugir do controle.
- Adicionar incentivos qualitativos junto aos quantitativos.
Dessa forma, talvez o Wells Fargo não tivesse o escândalo que teve. Se as metas de seus funcionários envolvessem o bem-estar dos seus clientes, dificilmente os funcionários teriam feito o que fizeram.
Métricas relacionadas aqui ao atendimento ao cliente e como o cliente avalia os funcionários poderiam ter sido soluções para amenizar o problema.
O cuidado que deve ser tido nesses casos é que até as métricas qualitativas podem possuir números (como avaliações de 0 a 5), mas elas não iguais às quantitativas (exemplo: número de pregos produzidos x % de pregos produzidos que foram utilizados.
Ambos são percebíveis em números, mas o segundo verifica a utilidade dos pregos, o que é qualitativo).
E como aplicar isso na minha vida e nos meus investimentos?
Entendendo o funcionamento dos incentivos, agora você é capaz de determinar quais incentivos dar e escolher quando se trata das suas próprias decisões.
Se você tem o próprio negócio… é interessante aplicar aqui os conceitos para escolher melhores metas para os seus funcionários. Você provavelmente percebeu que não é inteligente escolher apenas uma meta quantitativa, ou metas que não se equilibram (como crescimento e inflação).
Para os seus próprios investimentos… é interessante aplicar os conceitos aqui para entender bem quais são os principais incentivos que controlam os seus comportamentos, e como você pode escolher incentivos que te ajudem a obter melhores resultados.
Por exemplo, entendendo que um comportamento pode ser mudado com incentivos positivos, você pode (e deve) estabelecer metas que envolvem a porcentagem que você investe do seu salário, e pode estabelecer algumas recompensas que permitam que você consiga se manter na linha.
O problema do “mundo dos investimentos” é que o resultado positivo pode vir apenas em longo prazo, por isso, se você definir muito bem suas recompensas (e definir muito bem a meta), você pode ter resultados melhores.
Dica: evite metas ligadas ao retorno, e ter metas ligadas ao total do seu patrimônio investido junto com a porcentagem que você consegue guardar do seu salário pode ajudar.