InícioInvestimentosAs 7 grandes mudanças trazidas pela CVM (e como elas te afetam)

As 7 grandes mudanças trazidas pela CVM (e como elas te afetam)

Pouca gente sabe, mas o Brasil acaba de consolidar uma das regulações mais modernas do mundo para fundos de investimento.

A Resolução CVM 175 não só substitui dezenas de normas antigas como marca um novo capítulo — mais transparente, mais eficiente e mais alinhado com o que o investidor de hoje precisa.

Preparamos este relatório com uma curadoria técnica e acessível, destacando os principais pontos da norma e conectando com a trajetória histórica da indústria de fundos no Brasil.

Se você investe ou pretende investir, este é um conteúdo que vale cada minuto de leitura.

A norma entrou em vigor em 2023, mas o prazo final para adaptação das instituições envolvidas encerrou em 1º de julho de 2025. Por isso, trouxemos neste artigo as principais novidades, pois agora é pra valer!

Não temos a intenção de nos estendermos aos mínimos detalhes, mas queremos te municiar das informações necessárias para entender o novo ambiente que se construiu.

Essas novas regras tiveram como objetivo modernizar a regulação e adequar o Brasil aos padrões internacionais; com isso, foi possível simplificar estruturas de custos, aumentar a transparência da remuneração dos prestadores de serviço, ampliar as possibilidades de exposição e acesso, entre outros.

Caso queira dar uma olhada na redação original da CVM, clique aqui.

Para melhor compreender as novidades, vamos a um rápido passeio pela história da indústria de fundos

Neste tópico, buscamos entender de onde a indústria de fundos veio e até aonde chegamos! Separamos essa história em cinco etapas, vamos a elas:

1. Os primeiros passos (de 1970 a 1993)

A indústria de fundos de investimento no Brasil começou a tomar forma na década de 1970, ainda de maneira incipiente, voltada principalmente para grandes investidores institucionais em fundos de ações, depois com fundos de renda fixa, onde os primeiros surgiram na década de 1980.

O ambiente econômico era de altíssima inflação e de grande instabilidade econômica, porém, em 1976, foi criada a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que foi um importante marco para o desenvolvimento de nosso mercado financeiro.

O patrimônio da indústria de fundos antes do Plano Real era pouco relevante; só para se ter uma ideia, segundo dados divulgados pela Anbima, o patrimônio líquido da indústria já deflacionado para serem comparáveis aos números de hoje era de R$379 bilhões em dez/93 — e, hoje, estamos próximos de R$10 trilhões.

Neste período, o modelo de distribuição dos produtos de investimentos era dominado pelos grandes bancos, com poucos fundos da própria casa na prateleira e muito direcionamento de outras formas de captação bancária.

2. A estabilização pós-Plano Real (1994–2003)

Com o Plano Real implantado a partir de julho de 1994, a estabilização econômica e o controle da inflação criaram o ambiente necessário para o desenvolvimento sustentável do mercado financeiro brasileiro, inclusive da indústria de fundos.

Diante disso, os fundos passaram a atrair tanto investidores institucionais quanto o investidor de varejo. Além disso, vimos avanços regulatórios por meio das primeiras estruturas de regulação apoiadas pelo Banco Central, mais alinhadas à modernidade, com regras um pouco mais claras — o que incentivou a entrada de mais gestores e classes de ativos no jogo.

Nesse contexto, já começaram a surgir os primeiros fundos multimercados, cambiais e até mesmo os fundos voltados para a previdência privada aberta. Além dessas novas classes de investimento, também vimos o surgimento dos gestores independentes, como alguns dos nossos recomendados: a Dynamo, em 1993, a JGP, em 1998, e a Gávea Investimentos, em 2003.

Outro ponto importante que vale ser destacado foi a obrigatoriedade imposta pela CVM para que os fundos fossem “marcados a mercado” em 2002, quando os gestores e administradores passaram a apresentar em sua cota um valor mais realista com o que seria o valor dos ativos que compunham as carteiras naquele momento. 

Isso ocorreu num ambiente em que quase todos os fundos ainda tinham seus ativos “marcados na curva”, ou seja, pelo valor de aquisição ajustado por juros até o vencimento, o que mantinha o valor da cota artificialmente estável, mesmo em momentos de volatilidade do mercado.

3. Consolidação dos fundos com a Instrução CVM 409 (2004–2014)

Uma das maiores evoluções regulatórias da indústria de fundos veio com a famosíssima Instrução CVM 409/2004. Essa foi a primeira norma moderna e abrangente do setor.

Detalhes antes pouco observados tiveram sua devida atenção via ICVM 409/2004; como:

  • mais clareza sobre as responsabilidades fiduciárias dos administradores e gestores dos fundos; 
  • os limites para utilização de alavancagem e derivativos; 
  • uma classificação mais clara e alinhada às necessidades do mercado à época; 
  • maior divulgação de informações aos cotistas como algo obrigatório, entre outros aspectos.

Em 2009, tivemos outro marco importante: a fusão entre Anbid e Andima, dando origem à Anbima, que se consolidou como a principal autorreguladora do mercado de capitais, fortalecendo bastante o trabalho do regulador oficial, a CVM.

Nesse período, o universo de ativos também se expandiu significativamente, com a criação dos produtos estruturados, como FIDCs, FIPs, FIIs e os famigerados ETFs. Além disso, dentro das categorias tradicionais, passaram a surgir estratégias cada vez mais sofisticadas — algo que só se tornou possível graças a um arcabouço jurídico e normativo mais robusto e consolidado.

4. Modernização com a Instrução CVM 555 (2015–2022)

Como atualização da ICVM 409/2004, veio a ICVM 555/2014, que entrou em vigor em 2015, com foco em reorganizar e modernizar a estrutura dos fundos de investimento. Na nossa visão, não chegou a mudar paradigmas, mas organizou temas que ainda estavam dispersos, acertando “pontas soltas” que precisavam ser cuidadas em meio a um mercado em crescimento.

A ICVM 555 representou um passo intermediário importante rumo a uma regulação mais próxima dos padrões internacionais, preparando o terreno para mudanças mais profundas.

Até mais importante do que a ICVM 555 em si, foi o boom da tecnologia e do acesso digital, destaque nesta época. Com o expressivo crescimento das plataformas digitais, como XP e BTG Digital, as quais começaram a transformar a forma como os fundos eram acessados por investidores, abriu-se um leque relevante de possibilidades, principalmente para pessoas físicas do segmento de varejo.

Outro aspecto extremamente importante deste período foi a publicação da Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019), divulgada em 2019, a qual se predispôs a simplificar o ambiente de negócios e promover a segurança jurídica dos agentes econômicos de maneira muito ampla e eficiente. 

Esses pilares influenciaram diretamente a modernização do marco regulatório dos fundos de investimento na 175, permitindo uma abordagem mais flexível e principiológica.

5. Uma nova era com a Resolução CVM 175 (2023–hoje)

O prazo final para que todas as instituições se adequassem foi em 1º de julho de 2025. A norma marca uma nova fase de maturidade da indústria de fundos no Brasil, com foco em transparência, acesso e governança.

Neste item 5, não vamos entrar em detalhes, pois nos aprofundaremos ao longo do artigo; porém, o que podemos adiantar, é que a Resolução substitui dezenas de normas anteriores, incluindo a própria CVM 555, e se tornou uma base regulatória definitiva e unificada da indústria de fundos no Brasil, uma vez que diversas outras normas viraram anexos da 175. 

A título de curiosidade, a regulação dos fundos imobiliários, FIDCs, entre outros, também viraram anexos da resolução 175, reforçando essa questão de base unificada. 

Resolução CVM 175: as “novas responsabilidades” do gestor

Vamos separar essa seção em duas partes para entender como ficam as relações e responsabilidades de gestores e administradores.

1. Como eram as responsabilidades antes da 175?

Você já deve ter ouvido aquele dilema “quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha”, certo? Pois bem, a relação entre gestor e administrador na indústria de fundos sempre gerou dúvidas no investidor sobre quem, de fato, era o responsável pelo fundo.

Se por um lado o gestor sempre foi o “astro principal” — afinal, é ele quem toma as decisões de investimento e faz o fundo performar bem ou mal —, o administrador sempre foi o responsável legal pela estrutura. Ou seja, é quem presta contas ao regulador como se fosse o “dono” do fundo, cuida da burocracia e contrata toda a cadeia de prestadores de serviço, inclusive o próprio gestor — pelo menos, na teoria.

Mesmo que o gestor já tivesse uma base de clientes definida e idealizasse o fundo, ele precisava procurar um administrador para ser “contratado” por ele e dar início à operação.

Vejamos na imagem abaixo o que fazem os principais profissionais envolvidos na estrutura de um fundo e o modelo que funcionava antes da Resolução 175:

image.png

Elaboração: Finclass

Perceba que não é tão trivial assim criar um fundo de investimento. A regulação exige uma série de cuidados e profissionais envolvidos na operação. Isso, no fim das contas, visa proteger o investidor, mas também traz um nível de complexidade importante no controle e diligência.

Como podemos ver no diagrama acima, na pré-Resolução 175, o gestor parecia estar “abaixo” do administrador em relevância estrutural, mas a nova Resolução traz um caráter mais realista ao modelo, alinhando o Brasil aos padrões internacionais, que veem o gestor em pé de igualdade com o administrador na hora de prestar contas ao regulador — justamente por conta da importância enorme que ele tem dentro da estrutura.

Por isso, a Resolução passa a considerar ambos como prestadores de serviços essenciais e, agora, eles constituem o fundo de investimento de forma “conjunta”.

E vamos ser bem honestos: muitas das atribuições formais do administrador perante os reguladores, na prática, já eram executadas pelo próprio gestor. No dia a dia, era comum o gestor produzir as informações, análises ou documentos necessários e então encaminhar ao administrador, que apenas repassava aos órgãos reguladores.

Esse modelo acabava tirando agilidade do processo e ainda elevava o custo de observância, já que se criava uma etapa burocrática adicional — sem ganho real de eficiência ou governança.

2. Como ficam as responsabilidades pós-175

Nesta nova conjuntura, o gestor e administrador devem firmar um acordo formal para detalhar quais serão as obrigações e a dinâmica do relacionamento entre ambos, visando sempre reforçar a eficiência do veículo, direcionando as funções para quem tiver maior competência ou facilidade em determinada atuação.

Veja na imagem abaixo como ficaria a relação perante os reguladores e players de mercados:

Elaboração: Finclass

Diversas atribuições que antes eram exclusivas do administrador, agora, podem ser direcionadas ou compartilhadas com o gestor.

A seguir, listamos algumas das mais relevantes, para facilitar sua compreensão:

Constituição conjunta do fundo

Antes era responsabilidade exclusiva do administrador; agora, ambos participam desse processo em conjunto.

Controle de risco de liquidez da carteira

A avaliação da possibilidade de os ativos serem vendidos rapidamente sem grande perda de valor, antes feita pelo administrador ou alguém contratado por ele, tende a ser assumida pelo gestor, que normalmente detém mais informações sobre a carteira e suas características.

Enquadramento da carteira

Cada fundo possui um mandato específico e deve respeitar certos limites. Por exemplo, um fundo de ações precisa manter ao menos 67% do patrimônio alocado em ações; outros fundos podem ter limites máximos de exposição a um mesmo emissor. 

O controle desses limites, definidos por regra ou regulamento, poderá ser atribuído ao gestor também.

Contratação de prestadores de serviço

Administrador e gestor podem avaliar caso a caso, quem deveria contratar um prestador. Nesse momento, se avalia quem tem mais facilidade ou acesso para conduzir a diligência, a contratação e a supervisão de: 

  • distribuidores (vendedores do fundo nas plataformas); 
  • consultores (que apoiam a análise); 
  • co-gestores (que dividem a gestão); 
  • agências de rating (que atribuem nota de crédito); 
  • formadores de mercado (que ajudam a conferir liquidez às posições do fundo), entre outros.

Aspectos regulatórios

Atividades como o registro do regulamento junto ao regulador, envio de informes periódicos, atualização de políticas de compliance, entre outras, podem ser assumidas pelo gestor, se assim for acordado. Antes, essas eram atribuições exclusivamente do administrador.

Além desses pontos, uma novidade interessante trazida pela nova regra é a exigência de que o gestor mantenha em seu site, em local de fácil acesso ao investidor, um documento detalhando a discriminação das taxas devidas a cada prestador de serviço.

Isso tudo trouxe um novo desafio para o gestor, que também precisa se adequar à parte mais burocrática da operação. Mas, ao mesmo tempo, tenta trazer mais agilidade e assertividade ao processo, já que é do próprio gestor que partem as estratégias e movimentações do fundo.

Resolução CVM 175: a estrutura de classes e subclasses

A indústria de fundos tradicionais sempre operou com uma estrutura de classe única, o que significava que cada nova estratégia exigia a criação de um fundo com CNPJ próprio, já contemplando todas as obrigações contábeis, regulatórias e operacionais associadas, além dos respectivos custos mais elevados.

Uma grande inovação trazida pela Resolução CVM 175 é a possibilidade de transformar um único fundo em um verdadeiro “guarda-chuva de fundos”, capaz de abrigar múltiplas classes e subclasses de cotas dentro do mesmo veículo.

Mas o que isso significa, na prática?

Inicialmente, vamos tentar entender o que são as classes e subclasses:

  • Classes: representam diferentes estratégias de investimento (por exemplo, uma classe de carteira de investimentos arrojada, outra conservadora);
  • Subclasses: servem para segmentar o público-alvo dentro de cada classe, com condições específicas como prazos de resgate, valores mínimos de aplicação, níveis de taxa de administração/performance e perfil do investidor (varejo, qualificado ou profissional). Com essa dinâmica, os produtos da indústria podem ficar cada vez mais personalizados aos investidores, com regras mais específicas para cada público-alvo.

No fim das contas, em um único CNPJ, você pode encontrar diversas estratégias e condições distintas, com cada detalhe das classes e subclasses organizados em anexo do regulamento — o que simplifica consideravelmente a estrutura.

Antes da Resolução 175, era comum o uso do modelo chamado máster-feeder, especialmente para estratégias mais sofisticadas ou distribuídas em múltiplos canais. No seu modelo mais básico, criava-se um fundo máster, responsável por comprar diretamente os ativos da carteira, e, em seguida, criaram-se diversos feeders, os famosos fundos espelhos, que compravam cotas desse máster.

Essa era a única forma de replicar a estratégia principal para diferentes públicos ou condições por meio de diversos FICs — o que agora pode ser feito diretamente via classes e subclasses, sem necessidade de abrir novos CNPJs.

Importante: Esse novo modelo pode parecer um pouco confuso à primeira vista, mas tende a ser mais simples, eficiente e barato. Além disso, traz alívio financeiro e eficiência operacional para os gestores, que passam a ter estruturas mais enxutas e escaláveis — o que, direta ou indiretamente, beneficia também os cotistas.

Veja um exemplo visual abaixo:

image.png

Fonte: Anbima

Vamos supor um exemplo simplificado para facilitar o entendimento:

Antes da 175:

Para oferecer duas estratégias (ex: uma conservadora e outra arrojada), o gestor precisava criar dois fundos distintos, com:

  • dois CNPJs;
  • dois regulamentos;
  • custo operacional duplicado;
  • dificuldade para replicar ativos entre os veículos.

Com a 175:

O mesmo fundo pode ter:

  • classe A: Estratégia conservadora (varejo);
  • classe B: Estratégia arrojada (investidores qualificados);
  • cada classe com suas subclasses específicas com taxas/prazos distintos;
  • tudo no mesmo regulamento, CNPJ e fundo, com governança contábil própria por classe.

Elaboração: Finclass

Mas essa mudança pode nos deixar confusos em relação à identificação correta do fundo que estamos comprando?

A resposta é sim. Ainda que essa estrutura seja algo muito nova e a clareza deva aumentar com o tempo, é importante ficarmos atentos na hora de investir em um fundo.

Antes, o CNPJ do fundo funcionava como uma chave simples e objetiva de identificação. Agora, com a possibilidade de um único fundo abrigar várias classes e subclasses, o CNPJ por si só deixou de ser conclusivo para sabermos exatamente em que estratégia e condições estamos investindo.

O caminho mais provável é que cada subclasse passe a ter um código próprio, que deverá ser observado no momento da aplicação.

À medida que o mercado for se adaptando a essa nova realidade, seguiremos auxiliando os investidores e investidoras da Finclass a identificarem corretamente os fundos, garantindo clareza e segurança na hora de investir.

Resolução CVM 175: a transparência da remuneração dos prestadores de serviço

De maneira bem objetiva, a transparência na remuneração dos prestadores de serviço de um fundo também avançou, e muito!

O que muda com a Resolução 175?

A partir de agora, as taxas de administração, taxas de gestão e taxas máximas de distribuição devem ser divulgadas de forma clara e segregada, seja no regulamento ou em um sumário disponível no site do gestor.

Além disso, as classes destinadas ao público de varejo que investem em classes de cotas de outros fundos devem apresentar taxa mínima e máxima de gestão no regulamento, para dar ainda mais transparência a tudo.

A forma mais simples que encontramos de visualizar as diferenças pode ser vista na tabela abaixo:

Elaboração: Finclass

Toda essa transparência adicionada ao processo ajuda muito o investidor a decidir entre um fundo e outro. Agora, é possível verificar se a remuneração recebida pela corretora é mais alta para determinado fundo, o que pode indicar a existência de incentivos comerciais adicionais para promovê-lo.

Por exemplo, imagine que você perceba uma certa insistência do assessor em lhe vender um fundo específico. Nessa situação, você pode consultar quanto a corretora recebe pela distribuição daquele fundo e, assim, identificar se há algum incentivo financeiro a mais para alguma delas.

Essa nova camada de transparência eleva nossa capacidade de julgamento e nos permite tomar decisões mais conscientes.

E essa história da criação de um site para acompanhar taxas?

Os mais antenados nessas questões questionam essa possibilidade; e há uma novidade bacana se “ventilando” no mercado.

Trata-se da Anbima estar em fase de criação de um site no qual o investidor poderá digitar o CNPJ ou o nome do fundo que gostaria de checar as taxas e o portal mostrará as corretoras onde o fundo está à venda e as remunerações recebidas por cada corretora.

Inicialmente, o gestor continuaria precisando manter as informações transparentes em seu site, em local de fácil acesso para o investidor, mas existe uma possibilidade de a Anbima ser uma fonte oficial, porém o tema ainda está em discussão.

Resolução CVM 175: responsabilidade limitada do cotista

“O cotista não é responsável por eventual patrimônio líquido negativo do fundo de investimento, salvo disposição em contrário no regulamento.”

É isso que diz a Resolução 175; ou seja, evita que o investidor seja chamado a fazer novos aportes para “cobrir o rombo” de perdas superiores ao patrimônio da classe.

Por que isso é importante?

Antes da 175, existia uma zona cinzenta jurídica sobre o que aconteceria se um fundo tivesse prejuízos superiores ao patrimônio, por exemplo, após perdas com derivativos alavancados ou situações de fraude.

A nova norma dá segurança jurídica ao explicitar que:

  • o risco do cotista é limitado às suas cotas, portanto, só pode perder o que investiu;
  • o fundo é uma estrutura com patrimônio separado, e o investidor não responde com seu patrimônio pessoal;
  • eventuais perdas que levem o PL a ficar negativo não geram obrigação de aporte adicional por parte dos cotistas.

Existem exceções?

Sim, se o regulamento do fundo expressar a informação de maneira clara, é possível haver uma cláusula permitindo chamadas de capital.

Se o regulamento não definir a limitação, a responsabilidade é ilimitada e o cotista pode ser chamado a cobrir prejuízos.

Exemplo prático:

Imagine um fundo multimercado que tenha exposição a derivativos e, por um erro de gestão ou evento específico, tenha perdas tão grandes que o patrimônio líquido fique negativo.

Antes da 175, haveria debate sobre se os cotistas poderiam ser chamados a cobrir essa perda extra.

Agora, com a regra da CVM 175, o investidor sabe que:

  • não precisará aportar mais capital;
  • o fundo pode até ser liquidado, mas sua responsabilidade termina com o que ele já investiu;
  • o prejuízo adicional recai sobre os prestadores de serviço (gestor, administrador), se for comprovado erro ou má-conduta.

Resolução CVM 175: mais acesso ao investidor de varejo

Os reguladores do mercado financeiro e da indústria de fundos sempre tiveram muita preocupação com o investidor de varejo, aquele com menor poder aquisitivo e, possivelmente, mais suscetível a problemas de direcionamento para investir.

Porém, na nossa humilde opinião, já estávamos “pesando demais a mão nas restrições” de acesso com a “justificativa de estar protegendo”.

Atualmente, os investidores têm muito mais acesso à informação e conhecimento para uma melhor tomada de decisão, portanto, não fazia sentido restringir tanto. No final das contas, esses investidores acabavam por acessar produtos financeiros piores e até mais arriscados de outras maneiras, ou seja, tratava-se de uma privação infundada.

Uma das grandes inovações foi justamente ampliar o acesso do público geral a produtos que antes eram restritos — como FIDCs (Fundos de Investimento em Direitos Creditórios) e fundos com exposição internacional.

Abaixo, uma explicação com mais detalhes:

1. FIDC agora pode ser acessado pelo público em geral

De maneira resumida, o FIDC (Fundo de Investimento em Direitos Creditórios) é um tipo de fundo que investe a maior parte do seu patrimônio em direitos creditórios, que são recebíveis de transações comerciais, financeiras, industriais, imobiliárias, etc.

Exemplos comuns desses créditos são duplicatas, boletos, parcelas de financiamento, consignados ou até recebíveis de cartão de crédito. Esses fundos captam recursos de investidores por meio da emissão de cotas e os aplicam na compra desses ativos, buscando retorno com base nos pagamentos que os devedores fazem.

É óbvio que este tipo de operação envolve riscos na gestão, mas diversas outras estratégias também têm seus riscos que, se pensados pelo potencial de perda, podem ser similares ou maiores — e, atualmente, já são acessíveis aos investidores em geral.

Com a 175, os FIDCs que antes eram destinados apenas para investidores qualificados (patrimônio acima de R$1 milhão), por conta das complexidades e riscos que citamos, agora podem ser acessíveis a qualquer tipo de investidor.

Os FIDCs podem ser destinados ao público geral, desde que atendam a certos critérios; dentre eles, a regra prevê que só podem investir em cotas seniores, aquelas com prioridade no recebimento de juros e amortizações, que são mais fáceis de resgatar e apresentam menor risco.

Além disso, o FIDC só pode ter na carteira créditos já performados (créditos em execução, que já passaram por evidência de início no fluxo de pagamento), o que limita a oferta, uma vez que esse tipo de recebível não é tão comum no mercado. Outra exigência é que o FIDC tenha uma nota de classificação dos créditos que compõem a carteira (“rating”), atribuída por agências especializadas que avaliam o risco.

2. Facilitação do investimento no exterior por investidores de varejo

Antes da nova regulação, os fundos com mais de 20% de exposição internacional só podiam ser acessados por investidores qualificados. Isso limitava bastante o acesso de investidores comuns à diversificação geográfica.

Agora, fundos abertos podem ter até 100% de exposição internacional e ainda assim serem oferecidos ao público geral, desde que:

  • a política de investimento seja clara e transparente;
  • os riscos estejam adequadamente descritos;
  • sejam utilizados veículos regulados no exterior (como ETFs listados, stocks etc).

Você, que é investidor há mais tempo, sabe da importância de investir fora do Brasil como uma forma eficaz de diversificar riscos e proteger o patrimônio (desde que essa exposição seja bem dimensionada).

Estar alocado em economias mais desenvolvidas e moedas fortes ajuda a preservar o valor do patrimônio ao longo do tempo e reduz os impactos de eventos típicos do cenário doméstico, como crises políticas, inflação alta e desvalorização do Real.

Além disso, o investimento internacional abre portas para participar do crescimento de setores e mercados globais, muitas vezes inacessíveis por aqui.

Quando construímos uma carteira de fundos, escolhemos várias “peças” para compor um bom portfólio, portanto, investir naquele fundo com exposição global será só até uma determinada fatia do patrimônio e não a ele todo.

Até aqui, a antiga restrição aos fundos com ativos no exterior era uma tremenda ineficiência para quem tinha uma carteira com diversos fundos. Com a nova regra, será possível acessar estratégias vencedoras lá de fora sem barreiras triviais que já não faziam mais sentido.

A preocupação do regulador no passado era válida, mas a modernização era necessária.

Resolução CVM 175: pontos adicionais

Neste tópico, vamos tratar de alguns avanços pontuais que também puderam ser vistos com a nova Resolução:

1. Gestores de fundos agora podem investir até 10% em criptoativos diretamente

Antes da norma, havia muita incerteza jurídica e operacional sobre como os fundos poderiam se expor a essa classe de ativos, o que fazia com que, na prática, a maioria dos gestores conseguia se expor a classe de forma indireta — via BDRs de ETFs internacionais de cripto ou cotas de fundos no exterior.

Agora, com regras mais claras, os gestores têm autorização para realizar investimentos diretos em criptoativos em até 10% do PL. Porém, esses fundos precisam também obedecer a critérios específicos de controle de risco, governança e custódia para garantir a segurança das operações.

Uma das principais exigências é que os criptoativos precisam ser negociados em entidades autorizadas pela CVM e Banco Central e que sejam supervisionadas por autoridades estrangeiras equivalentes à CVM

Além disso, os ativos devem ser custodiados por instituições especializadas em infraestrutura segura e segregação patrimonial — evitando, por exemplo, riscos como os observados em casos como o da FTX, no qual houve má administração e mistura de recursos.

A norma também exige que o gestor tenha uma estrutura robusta de diligência e avaliação dos riscos envolvidos nos criptoativos, o que inclui entender o funcionamento da blockchain, os riscos operacionais, de liquidez, volatilidade, do mercado de criptoativos e até mesmo de segurança cibernética.

2. Fundos de ações podem “esconder” sua carteira de ativos por 6 meses

É isso mesmo que você leu. Nesse sentido, a transparência pode, sim, ter diminuído, pois agora leva-se mais tempo para saber o que o gestor está fazendo na carteira do fundo.

Mas isso não é necessariamente algo ruim!

Aqui, precisamos exercitar o máximo respeito à propriedade intelectual de quem faz a gestão de um fundo de investimento.

Ao longo do tempo, vimos muitos robôs tentando replicar a carteira de gestores renomados — e até ETF sendo criado com o objetivo de “copiar” essas carteiras. Isso, além de ser uma sacanagem, pode causar prejuízos às gestoras enquanto empresas. Essas “empresas” que enfrentam dificuldades, por estarem sendo plagiadas, naturalmente terão problemas no longo prazo, o que pode ser ruim para os cotistas também.

Essa medida, portanto, além de proteger o gestor, também aproxima o Brasil dos padrões internacionais, onde o tempo de defasagem na divulgação da carteira também é maior.

Resolução CVM 175: adaptação dos gestores

Apesar das inúmeras vantagens da nova norma, sobretudo do ponto de vista operacional com a possibilidade de redução na estrutura de custos, sabemos que a maioria das gestoras, até aqui, limitou-se a adaptar seus sistemas para se adequar à regulação, sem ainda explorar todas as possibilidades oriundas das novas regras.

Vivemos um momento particularmente desafiador para a gestão de fundos: CDI elevado, cenário político-econômico incerto, resgates constantes, entre outros fatores têm dificultado a priorização dessas “adaptações de estrutura”.

Ainda assim, a expectativa é que, passada essa fase inicial de ajustes, o setor comece a implementar as mudanças gradualmente.

Além disso, é importante lembrar que estamos tratando da regulação que teve a maior audiência pública da história da CVM, com milhares de comentários, inúmeras revisões e participação ampla do mercado, reguladores e até do mundo acadêmico. O debate foi extenso e ainda existem muitas dúvidas sobre a aplicação prática da norma — o que também contribui para um clima de cautela no mercado.

Conclusão

Segundo dados do 1º trimestre de 2025 do ICI (Investment Company Institute), o Brasil é hoje a 10ª maior indústria de fundos do mundo, com um patrimônio líquido de R$10 trilhões, 1.059 gestores, cerca de 33 mil fundos ativos e pouco mais de 40 milhões de contas.

Dado seu tamanho e relevância, é imprescindível que o país atue no mais alto padrão regulatório e de eficiência, exatamente o que a Resolução CVM 175 buscou promover.

A divulgação dessa norma foi fruto de um trabalho técnico robusto e representa um marco positivo para o setor, alinhando a indústria brasileira aos padrões globais e, acima de tudo, colocando o investidor no centro das decisões, como deve ser.

Com esse novo arcabouço regulatório, não temos dúvidas de que estamos prontos para um novo ciclo marcado por mais tecnologia, informação e inovação.

Um grande abraço e bons investimentos!

Rodrigo Xavier e Ana Farias

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